Chega ao serviço de streaming da Disney +, uma das obras
mais aguardadas por fãs da velha guarda da franquia Star Wars, The Mandalorian,
produzida por John Favreau, um dos responsáveis pelo pontapé inicial da Era MCU
nos cinemas. Favreau é um ator que se tornou diretor e produtor, uma figura
super bem quista pelas celebridades que com ou para ele atuam.
Muitos o conhecem por interpretar Pete Becker, o milionário
modesto que se apaixona pela Monica no seriado Friends ou o palhaço Eric da
outra sitcom Seinfeld. A mim, teve presença marcante em uma das primeiras obras
de Doug Liman, Swingers – Curtindo a Noite (1996), uma obra sobre superações de
término de namoros em Las Vegas que na época, confesso que fui atrás por conta
da presença marcante da banda de neo swing “Big Bad Voodoo Daddy”. Na
trama, Favreau conquista sua primeira garota (Heather Grahan) no pós-término
dançando em meio a uma casa noturna da cidade dos jogos. Logo após, se tornou
diretor de filmes e séries até poder dirigir seu primeiro longa (que atuou
também) pra cinema repetindo sua parceria com o ator Vince Vaughn de Swingers,
Crime Desorganizado (2001). O filme foi bem recebido por crítica e público e
começou ali uma carreira que transitava entre estar frente às câmeras e por
trás delas tanto no cinema quanto na TV.
Seus filmes sempre variavam nos gêneros e sua primeira
incursão no universo fantástico foi em Zathura – Uma Aventura Espacial (2005),
propenso para angariar fãs nerds de jogos de tabuleiro. Pouco depois arriscou
encarar em apenas dois anos seguidos os dois primeiros Homem de Ferro (2008 –
2010), alguns programas de TV, a ousadia estética de Cowboy vs. Aliens (2011) e
a versatilidade de dirigir e atuar num leve filme familiar de um chefe de
cozinha que abandona a alta gastronomia para se aventurar num food truck em O
Chefe (2014).
O principal motivo de vermos Favreau encabeçar um projeto
desse, se deva ao fato de que foi o dublador do guerreiro mandaloriano Pre
Vizla na série animada The Clone Wars, do criador Dave Filoni, que foi ao ar de
2010 e se estendeu com participações até 2013. Filoni é um dos principais
criadores do universo expandido de Star Wars e que por vezes cumpre a missão de
conciliar elementos do antigo universo expandido, que hoje é chamamos de Legends,
e parte do que engrossa o caldo do novo universo expandido canônico com suas
três animações de respeito: The Clone Wars e Rebels aos fãs da “velha guarda” e
Star Wars Resistance para os jovens fãs da trilogia sequel. Todas as animações conseguem chegar ao limite do mais
próximo que podemos conhecer como crossmedia e transmídia. Estes cruzamentos ou
transformações midiáticas atrapalharam algumas cronologias na linha de tempo
dos filmes, mas também consegue criar sustentação teórica em todas fraquezas
que a trilogia prequel se apresentou no retorno de George Lucas à direção.
Talvez aqui o caminho bem sucedido de Filoni trouxe prestígio e confiabilidade
para o próprio Lucas e agora para Favreau que o convidou para escrever alguns e
dirigir dois dos oito episódios desta primeira temporada de The Mandalorian.
Um ruído de sonar começa e ao compasso do ritmo de uma troca
de capacetes metalizados conhecemos a nova vinheta da saga que com certeza
mexeu com cada um que teve seu coração palpitando junto aos pulsos sonoros
animados e que logo em seguida descobrimos que na verdade é uma referência
auditiva de um sinalizador que nosso personagem carrega em um planeta
monocromaticamente frio. O ambiente de um bar ou cantina já nos empurra uma
intimidação de um humanoide e um quarren à uma raça nova e que param para ver o
guerreiro entrar no bar. A contextualização típica de faroeste se faz
necessário que um bom clichê bem contado se repita ao vermos o grupelho
implicante tentar sem sucesso intimidar ao mandaloriano. A rápida cena de ação
já denota que a morte dos desafiadores contrarie que a série obedeça um dos
pedidos mais constantes do criador George Lucas, e com isso notamos que a série
realmente não tem como objetivo o pré adolescente de 12 anos.
Estabelecido que nosso personagem busca suas recompensas em
cenas baseadas no poder imagético de conexão de cenas e compreensão pela
montagem, sai do planeta sem nome rumo ao seu contratante. Aqui, novamente
somos inseridos num diálogo contextualizador econômico e político sem o
didatismo dos filmes de Lucas. Fala-se em queda do Império, moedas sem crédito
e uma recompensa que valha mais a pena. Em menos de cinco minutos estamos
contextualizados do que são esses cinco anos de uma era pós-Retorno de Jedi e
como isso impactou o universo. O universo nerd atual parece ter sido
escravizado pela extrema necessidade de fan service, como se ao cumprir estas
demandas, se jogue pela janela toda lógica de construção de personagens,
contexto histórico e criação de atmosfera. Essa é a diferença dos que por uma
franquia se apaixonam pelo cinema, filmes e séries e sua linguagem àqueles que
apenas querem seu ego massageado com referências ao seu passado saudosista. O
fan service deveria ter a obrigação de ser algo orgânico, sem forçar a barra,
mas passado com a naturalidade de um diálogo que nos situe no quadro que o
personagem vive e o que o rodeia.
Há uma desconexão que distancia o que as obras oferecem e o
que algumas pessoas esperam dela. Em algum momento aconteceu algum ruído, seja
por parte das obras ou por parte das pessoas ou por uma fase que o cinema
parece ter ditado uma regra em que se passaram a ignorar as ideias básicas de
uma obra. Isso se tornou evidente aos fãs de Star Wars na medida em que se
perderam na capacidade de analisar e absorver nuances ou níveis de complexidade
que contrarie o que está na superfície. É neste momento que a compreensão do
desenvolvimento de personagem, algo importante para que o espectador compreenda
a relação que ele tem com outros personagens ao seu redor e a relação dos
mundos que visita, dize muito da forma de operação que traça o perfil do
protagonista unida a uma excelente trilha sonora tribal do jovem e premiado
compositor Ludwig Göransson, famoso por sua trilha tribal vencedora de Oscar em
Pantera Negra. Cabe ao leitor a dica de procurar mais trilhas deste jovem
artista sueco de apenas 34 anos.
Ao entrar na sala do “cliente”, um personagem
misterioso do Império interpretado pelo gigantesco diretor Werner Herzog,
novamente somos enxovalhados com muitas referências sutis, desde os
stormtroopers (interpretados por membros do 501st americana), o cientista que
carrega um símbolo de Kamino, do pagamento em Beskar e a discrição das
informações sobre sua nova coleta. Mal estamos saindo de um ambiente que nos
soa familiar e o personagem entra num quarteirão demarcado pelo símbolo da
ossada de um Mythossauro, o símbolo dos Mandalorianos, e ali vemos crianças de
capacete, outros personagens com suas Mandos (nome das armaduras aos mais
chegados) até ao momento que uma personagem feminina na forja, com um design de
elmo semelhante ao da Sabine de Rebels, que pega sua placa de Beskar e forja
uma Paldron (uma ombreira) enquanto os flashbacks de um passado do nosso
protagonista nos remete aos momento que o filme Conan, o Bárbaro, de John
Milius, revela como o personagem pode ser predestinado por estar impulsionado
por alguma vivência que o marcou muito num passado de rupturas familiares.
Aqui, nosso protagonista viaja para o único planeta
anunciado pelas matérias que acompanhamos da série, Avalar VII, sobram
referências sutis quando é atacado pelos Blurrgs, em uma cena quase idêntica a
que Luke é atacado por Tusken Raiders enquanto olha pelos monoculars pela
imensidão árida. Como já vimos anteriormente, é salvo por um personagem de
postura mentora e desta vez, Kuiil, um Ugnaught que havíamos assistido em
Bespin quando botaram a câmara de carbonita pra funcionar em O Império Contra Ataca.
Este bonachão interpretado e feito quase à semelhança de seu dublador, o ator
Nick Nolte, é um personagem coadjuvante perfeito para viabilizar os desafios
que o protagonista precisa. Mais uma vez os criadores parecem mesmo mostrar o
quanto os filmes de faroeste fazem parte de seu repertório. A sequência que o mandaloriano
precisa aprender a domar um Blurrg é muito parecido a muitos filmes em que o
simples ato de montar um cavalo, se torna parte importante da força de vontade
de um personagem, tal qual o filme de John Huston de 1961, Os Desajustados em
que até Marilyn Monroe e Clark Gable caçam cavalos selvagens.
A chegada ao local da coleta é surpreendida pela chegada de
outro membro da guilda, um caçador de recompensas androide, o IG-11 (dublado
pelo diretor e ator Taika Waititi), que nos mostra uma habilidade que até então
só havíamos visto no livro e jogo Sombras do Império (livro de 1996, jogo de
1997) quando o smuggler Dash Rendar encara o já conhecido IG-88. Na sequência
mais dinâmica deste piloto, recheado com ironias e comédias que não extrapolam
o limite do momento para os rabugentos de plantão, ambos os caçadores conseguem
superar o número de guardas do local e numa investida estratégica, invertem o
quadro relembrando grandes momentos de “Meu Ódio Será Tua Herança”
(1969), de Sam Peckinpah, ainda mais com uma metralhadora flutuante.
O ato heroico nos leva finalmente à recompensa que nosso
protagonista estava atrás, que se revela uma espécie de bebê da mesma raça do
Mestre Yoda. Novamente, apenas apoiada por diálogos, notamos como a ordem dada
ao androide é diferente da que foi dada para o mandaloriano, ato que o obriga a
tomar uma medida drástica que somente em filmes de faroeste espaguete,
conhecemos a dualidade mocinho e bandido dos protagonistas. A cena final é um
dos planos mais tocantes da delicadeza em imagem, o protagonista estende seus
dedos para a pequena criatura que em contra luz e em silhueta, podemos enxergar
a pequena mão saindo do berço flutuante para fazer um contato, típico ato que
até em ET, o Extraterrestre, de Spielberg, nos mergulha em ternura.
Até mesmo nos créditos finais da série, as artes exibidas nos remetem às séries fantásticas de fantasia e sci-fi da década de 60 e 70, como Star Trek, Buck Rogers e Perdidos no Espaço. A estreia da série começou com boa recepção de crítica e público que foi presenteada com uma belíssima produção refletida na competente direção de arte de Andrew L. Jones, algo extremamente diferencial que até então só víamos um investimento assim em séries da HBO. Se o caminho continuar neste patamar, podemos ter certeza que será um produto de conciliação entre os fãs que há algum tempo anda em descompasso com as atuais produções.
Por: Prof.º Me. Vebis Jr
Mestre em Cinema
Especialista em Comunicação
Graduado em Audiovisual e Multimídia
Revisado por: Alexandre Agassi
Estudante de jornalismo
Artigo original:
sociedadejedi.com.br