Dados de radar coletados pela sonda Mars Express da ESA apontam para a presença de um reservatório de água líquida enterrado sob as camadas de gelo e poeira na região polar sul de Marte.
Evidências para o passado molhado de Marte é algo que se tem detectado na superfície do planeta na forma de vastos leitos secos de rios, redes de vales e gigantescos canais de fluxos, feições que aparecem claramente nas imagens feitas pelas sondas em órbita. As sondas em órbita, junto com os roeres em superfície também já encontraram minerais que só podem ter se formado na presença de água líquida.
Mas o clima mudou de forma significante no decorrer dos 4.6 bilhões de anos de história do planeta, e a água líquida não pode existir mais na superfície do planeta hoje, então os cientistas começaram a procurar na subsuperfície. Resultados anteriores da sonda Mars Express já haviam encontrado gelo de água nos polos de Marte e também em camadas enterradas juntamente com poeira.
A presença de água líquida na base da calota polar de gelo era algo que os pesquisadores já suspeitavam a muito tempo, isso porque na Terra, esse tipo de presença de água é bem conhecido, já que o ponto de derretimento do gelo de água aumenta sob a pressão de uma camada de gelo sobreposta. Além disso, a presença de sais em Marte, poderia reduzir ainda mais o ponto de derretimento do gelo, mantendo a água em estado líquido até mesmo nas temperaturas extremamente frias do Planeta Vermelho.
Mas até agora as evidências adquiridas pelo instrumento conhecido como Mars Advanced Radar for Subsuface and Ionosphere Sounding, o MARSIS, o primeiro radar de sondagem em órbita de outro planeta eram inconclusivas.
A persistência dos cientistas trabalhando com esse instrumento que tem como objetivo mapear a subsuperfície do planeta, desenvolvendo novas técnicas para coletar dados de mais alta resolução, para poder chegar a interpretações conclusivas, foi marcante nessa descoberta.
O Ground-penetrating radar, ou GPR como conhecemos aqui na Terra, usa o método de enviar pulsos de radar na direção da superfície e calcula o tempo que esse pulso leva para retornar do ponto onde ele refletiu até a sonda, e qual a intensidade desse pulso. As propriedades do material influencia o sinal que retorna, e isso pode então ser usado para mapear a topografia em subsuperfície.
As investigações feitas com GPR mostram que a região polar sul de Marte é feita de muitas camadas de gelo e poeira até uma profundidade de 1.5 km numa área com 200 km de largura. Uma reflexão particularmente brilhante no sinal de radar abaixo dessas camadas foi identificada com cerca de 20 km de largura.
Analisando as propriedades dos sinais de radar refletidos e considerando a composição das camadas e o perfil esperado de temperatura abaixo da superfície, os cientistas interpretaram a feição brilhante como uma interface entre o gelo e um corpo estável de água líquida, que poderia estar misturado com sais e sedimentos. Para que o instrumento MARSIS pudesse detectar esse corpo de água, é necessário que ele tenha no mínimo algumas dezenas de centímetros de espessura.
“Essa anomalia na subsuperfície de Marte, tem propriedade de radar que se ajustam com a água ou com sedimentos ricos em água:, disse Roberto Orosei, principal pesquisador do experimento MARSIS e principal autor do artigo publicado na revista Science.
“Essa é apenas uma pequena área de estudo, e esse é um prospecto animador para pensarmos que possam existir mais pacotes de água em outros lugares ainda não descobertos”.
“Nós tínhamos observado pistas de interessantes feições em subsuperfície por anos, mas nós não podíamos reproduzir os resultados da órbita, pois a taxa de amostragem e a resolução dos dados eram muito baixas anteriormente”, disse Andrea Cicchetti, gerente de operação do MARSIS e coautor do artigo.
“Nós tivemos que usar um novo modo de operação, bupassando alguns processamentos a bordo e disparando uma sinal com uma taxa de amostragem maior para melhorar assim a assinatura nesses dados, agora nós vimos coisas que simplesmente não eram possíveis de serem vistas anteriormente”.
A descoberta, lembra um pouco o Lago Vostok, descoberto a 4 km de profundidade abaixo do gelo da Antártica na Terra. Algumas formas de vida microbiana são conhecidas por sobreviverem em ambientes subglaciais na Terra, mas será que os pacotes de água salgada, ou os sedimentos ricos em água que foram encontrados em Marte poderiam fornecer um habitat com condições para a vida se desenvolver, agora ou no passado? Se a vida já existiu isso ainda é uma questão em aberto, e isso é o objetivo dos rovers que irão para Marte em 2020, incluindo o rover da ExoMars, uma missão da ESA com a ROSCOSMOS.
“A longa duração da missão Mars Express, e o grande esforço feito pela equipe de radar para superar os desafios analíticos, permitiu que fosse encontrado esse resultado, esperado a muito tempo, demonstrando que a missão ainda tem muito a revelar”, disse Dmitri Titov cientista de projeto da Mars Express.
“Essa descoberta é um grande destaque para a ciência planetária e irá contribuir e muito para o nosso entendimento sobre a evolução de Marte, a história da água no nosso vizinho e a sua habitabilidade”.
A sonda Mars Express foi lançada em 2 de Junho de 2003 e em 25 de Dezembro de 2018 irá celebrar 15 anos de atividade em Marte.
Fonte:
[http://www.esa.int/Our_Activities/Space_Science/Mars_Express/Mars_Express_detects_liquid_water_hidden_under_planet_s_south_pole]
Artigo original:
spacetoday.com.br