O passageiro

Chegamos a um ponto onde não existe a necessidade de se
criar nada porque o produto sempre foi um pastiche, um amálgama de outras obras
vistas com uma nova roupagem, corre-se o risco de não ficar de rabo preso e
fazer obras narrativas livres de obedecerem a alguma espécie de cartilha de
pontuação ou o manual básico de objetivos.

Em um dos meus textos, comento que a montagem tem um papel
importante com um único compromisso: a emoção.

Se temos emoção, podemos mexer no roteiro quantas vezes
forem precisas, podemos incluir ou reduzir planos, cenas e até sequências em
prol de uma narrativa maior.

Assistir a série The Mandalorian nos mostra que a imagem da
labuta hollywoodiana está sendo substituída pelo prazer de se divertir em
produzir uma série que vira uma colcha de retalhos da formação que os criadores
carregam, no caso, do Dave Filoni e do gênio John Favreau.

Mestre Jedi O passageiro

Uma das primeiras vezes que me lembro do prazer das
referências foi em The Clone Wars no arco em que Boba Fett ainda criança
planeja se vingar de Mace Windu se infiltrando nos clones jovens em Kamino. A
música que tocava a cada vez que Boba fitava seus olhos semicerrados de ódio ao
mestre jedi era a música de gaita presente em “Era uma vez no Oeste”
de Sergio Leone. No clássico de faroeste, o personagem de Charles Bronson é tão
caladão quanto o mandaloriano e tudo que conhecemos dele é pelos outros e
somente perto do meio do filme, entendemos o que move o protagonista e o que
significava a tal música de gaita presente o tempo inteiro.

Se Filoni abusava na animação para arriscar esconder ou
escancarar suas referências de obras que o formou dentro do campo
cinematográfico. Favreau que já é diretor de cinema e fez obras tão diferentes
(veja nosso primeiro texto sobre The Mandalorian) uma das outras poderia ir além
nesta primeira série em live-action de Star Wars.

Mestre Jedi O passageiro

O sexto episódio intitulado “O passageiro” repete
a direção do segundo episódio pelo diretor Rick Famuyiwa, particularmente um
diretor que impressionou por inserir o protagonista em arcos dramáticos sem que
este falasse muito e pudéssemos conhecê-lo mediante às reações dos problemas
que surgiriam para o desenvolvimento do personagem, algo comum nas primeiras temporadas
de séries. A nave Razor Crest chega num espaço porto quando o protagonista é
recebido por Ranzar Malk, ou para os íntimos, Ran (coincidentemente o nome de
um dos filmes de Akira Kurosawa) e assim notamos no diálogo alguma espécie de
contrato novo com dívida antiga. Logo, nosso lobo solitário é apresentado a um
time e que farão a incursão numa nave prisão para resgatar um antigo parceiro
de crime. Estes poucos minutos de diálogos estão repletos de referências
interessantes como piadas com mira de stormtroopers, um pistoleiro humano
(interpretado pelo comediante de stand-up, escritor, ator e dublador de jogos
como GTA) Mayfield, o devaroniano Burg interpretado pelo icônico ator Clancy
Brown (que já havia dublado o personagem Ryder Azadi em Star Wars Rebels), a Twi´lek
Xi’an interpretada por Natália Tena (conhecemos ela como a Nynphadora Tonks de
Harry Potter ou a Osha de Game Of Thrones e também canta na excelente banda de
neo swing “Molotov Jukebox”, quem não conhece, ouça urgente) e
finaliza com o pavor do mandaloriano, um androide chamado Zero (dublado por
Richard Ayoade de The It Crowd).

Enquanto muitos reclamam do clichê ou das repetições, aqui
acreditamos que todo clichê é palatável desde que bem contado. Essa ideia de
juntar pessoas diferentes entre si para uma missão suicida sempre é explorado
no cinema desde algo muito mais visceral como Predador chegando aos passatempos
explosivos como é o caso de Con Air e se nos atermos a essa quantidade de 5
elementos, vamos desde Bastárdos Inglórios até em Clube dos Cinco.

O grupo parte na Razor Crest rumo a uma prisão que nos
revela pela primeira vez um dos pontos mais curiosos da transição entre Império
e a Primeira Ordem: a Nova República. Invadem a fortaleza que supostamente só
deveria conter robôs até descobrirem que a sala de comando, um soldado da nova
república interpretado pelo Matt Lanter (o dublador de Anakin na série The
Clone Wars) vira o ponto de discórdia entre os membros do quinteto ousado que
num momento de discordância, simulam filmes policiais chineses em que todos
apontam arma para todos.

Mestre Jedi O passageiro

Essa festa de descobertas de onde encaixar referências
poderia se tornar vazia se o diretor e criadores não tivessem a genialidade de
escolher em quais momentos se colocar tais homenagens. O caminho para a cela é
mais uma chuva de bons easter eggs. A cada cela que se passa em um corredor com
um formato semelhante a base lunar de 2001: Uma Odisseia no Espaço,
reconhecemos algumas raças como o da raça do Rio, um alien de 4 braços que
Favreau dublou em Solo: Uma História Star Wars, um oficial do império e um
alien que nos remete ao Sloth de Goonnies ou Pinhead, mascote da banda de punk rock
Ramones.

Assim que chegam na cela de Twi’lek Qin, interpretado por
Ismael Cruz Cordova (ironicamente o dublador do personagem MANDO da Vila Sésamo
atual), o jogo inverte e o time joga nosso caçador para dentro da cela.

Mestre Jedi O passageiro

Deve ser muito proveitoso dirigir uma série que passeia por
gêneros, pois nesse ponto de virada, a série muda seu tom para uma atmosfera
semelhante a filmes de horror com sua narrativa em paralelo. O protagonista
foge da cela e na sala de comando transforma os membros do grupo traidor em
presas nos corredores ao mesmo tempo que “a criança” vira alvo do
androide Zero dentro da nave.

Um por um vai sucumbindo pelas mãos do mandaloriano, desde o
devaroniano que nos faz até lembrar de quando Oberin e Montanha se degladiaram
em Game Of Thrones até a sequência de corredor com luz piscante e o pistoleiro
Mayfield parecer um marine prestes a ser vítima de um xenomorfo nos filmes da
franquia Alien, num dos planos mais belos de câmera com a profundidade de campo
que justifica o título de “O Passageiro” para este episódio.

Mestre Jedi O passageiro

Com a criança salva num timing preciso, a nave volta para o
espaço porto cumprindo o que prometeu na entrega da extradição do prisioneiro.
Assim que nosso protagonista sai da base, deixou para os inescrupulosos o
comunicador que traz a guarda de três X-Wings pilotadas pelos próprios
diretores da série Dave Filoni, Rick Famuyima e Debora Chow em uma aparição
cameo digna de matar a saudade dos fãs das estilosas X-Wings.

A série mais uma vez nos coloca numa fórmula que nos permitimos cair: o distanciamento do protagonista da “criança” (ou como chamam, baby Yoda) nos traz a insegurança da criaturinha e a chegada precisa para salvar a criatura que sempre está a um passo de utilizar a Força. E a fórmula parece funcionar se de fato todos ficam desconfortáveis com a fragilidade da situação. Assim, nos faltam 2 episódios e nada sabemos do caminho desta narrativa que nos dá pouco e nos deixa curioso tanto pra criaturinha amável, quanto para nosso pistoleiro calado

Por Prof.º Me. Vebis Jr
Mestre em Cinema
Especialista em Comunicação
Graduado em Audiovisual e Multimídia
Podcaster por prazer

Revisado por Alexandre Agassi
Estudante de Jornalismo 
Cinéfilo nas horas vagas

Artigo original:
sociedadejedi.com.br