Contém spoilers do Universo Expandido do novo Cânon, principalmente do livro Legado de Sangue.
Quando ninguém responde ao chamado da Resistência por reforços em Crait no ato final de Os Últimos Jedi, poderíamos ter diversas explicações como sendo o caos após a destruição do governo da Nova República ou a falta de armamento nos sistemas individuais pelos atos de desarmamento após a Batalha de Jakku. Um fator, no entanto, está no coração de um dos temas mais importantes da trilogia sequel. No livro Legado de Sangue por Claudia Grey, a verdade do parentesco de Leia com Darth Vader é revelado, causando um escândalo massivo que força Leia a deixar o Senado da Nova República e suja seu nome. Esse nível de escândalo público pode muito bem ter perdurado os seis anos até a Batalha de Crait, com o silêncio de aliados potenciais representando um forte sentimento de desconfiança.
O peso desse escândalo é algo que aparentemente Leia teve que carregar sozinha — O lugar de Luke como uma lenda na galáxia segue intacto, e novamente a ideia de legado se levanta. O efeito diferente que essa notícia afeta a visão pública de Luke e Leia é influenciado por quais legados institucionais eles representam — a Ordem Jedi ou a política — e reflete a natureza divisiva da identidade de Darth Vader durante o curso de sua vida.
A reputação de Luke Skywalker o precede por anos-luz, contos de heroísmo pela Rebelião são solidificadas em lendas e espalhadas pela galáxia, do menino da vassoura em Canto Bight até o planeta isolado Jakku. Deixando de lado a inerente resiliência das lendas, é dado um imenso poder à própria lenda de Luke pela natureza de onde ele se posiciona pelo curso da queda do Império: O único Jedi da galáxia. “Jedi” é um título carregado, invocando não só a ideia de um tempo antes das Guerras Clônicas e a ascensão do Império mas também um potencial retorno. É claro que aquela época não era livre de problemas, nem mesmo os próprios Jedi, mas quase cinquenta anos e incontáveis traumas imperiais estão entre a Ordem 66 e a revelação do parentesco de Leia. Isso é tempo mais do que suficiente para fazerem da Velha República um ideal a ser seguido, especialmente quando a geração que viveu tudo aquilo já teria em sua maioria falecido .
O abismo entre a realidade e o que foi preservado na memória coletiva é encapsulado nos argumentos Luke e Rey têm em Ahch-To — para Rey, os Jedi são uma força poderosa para o bem e que só isso poderia ajudar a Resistência na luta contra a Primeira Ordem, mas Luke rapidamente a lembra de como os Jedi também foram responsáveis pela subida do Imperador ao poder. Na verdade, a Resistência colocando todas as suas esperanças no retorno de Luke indica outro elemento que mantém seu status legendário vivo. Antes da Ordem 66, a galáxia tinha algumas centenas de Jedi, e como uma instituição, a Ordem Jedi era considerada na estrutura política da Velha República — o peso de todas as expectativas daquela era estão nas costas de um homem, tornando o herói em uma lenda e até como uma figura messiânica, nada diferente de como Darth Vader tinha o título de o “O Escolhido” enquanto era Anakin Skywalker. Neste caso, a verdade sobre sua linhagem não iria trazer tanto dano à sua posição, mas talvez poderia até mesmo reforçá-la: A força de Darth Vader pode ainda estar na galáxia, mas agora está do lado dela. Está nas mãos do homem que, como as lendas dizem, salvou-a de Vader e do Império.
Mas até mesmo lendas falham. Ao ver que Ben Solo caiu para o Lado Sombrio, este resolve se exilar. Como a galáxia reagiria ao saber que quem está por trás da Primeira Ordem é o neto de Vader, e que nem Luke Skywalker, a lenda Jedi, pôde salvá-lo?
No caso de Leia, por exemplo, não foi dada a ela nenhuma oportunidade de “se redimir” após o escândalo. Seu trabalho com a Aliança Rebelde, mesmo que crucial, não conseguiu evitar a carnificina promovida pelo Império. E mesmo ela sendo forte na Força como seu irmão, ela não tem o título de Jedi e portanto não tem a influência que vem com isso. Sem isso para zelar por sua reputação, ser filha biológica de Darth Vader fica à frente do que ela precisa para seu papel como alguém envolvido na política da Nova República — e é por isso que há tanto dano à sua imagem. Superficialmente, ser ligada a Darth Vader por qualquer motivo enquanto a galáxia tenta seguir em frente após a era Imperial não já não traria uma boa perspectiva pessoal, então como os representantes da Nova República poderiam se prestar a ter a filha de uma das figuras mais temidas do Império como senadora?
Infelizmente para Leia, o buraco é mais embaixo, misturando-se com o trauma coletivo da galáxia e o medo de que a história se repita. À época do escândalo, a luta entre Centristas e Populistas pelo controle do governo central da Nova República deixou o Senado inerte — trazendo à memória dos sistemas sobreviventes da Velha República os Separatistas. Para tentar resolver o problema, há a proposta da criação do cargo de Primeiro Senador, uma posição parecida com a de Chanceler mas com a intenção de manter a ordem. E era uma posição que, antes do escândalo, Leia era candidata pelo partido Populista. Após o escândalo, o Senado advertiu como Palpatine concentrou poder a partir de seu cargo de Chanceler, e sobre como dar poder similar à filha do braço direito de Palpatine no Império não seria uma boa ideia, mesmo que essa filha seja Leia Organa. Com essa revelação pública, ela se torna, de uma respeitável senadora e veterana Rebelde, a uma fonte de medo, medo de que ela repita as atrocidades que o Império fez, cuja sombra de seu pai biológico teria ficado em segredo.
Anakin Skywalker e Darth Vader são duas identidades discretas mas comprimidas em um espaço de uma vida — e não há dúvidas de que a sombra que essa vida deixa reflete em sua descendência. Luke e Leia podem não terem tentado seguir os passos de Vader como o neto Kylo Ren, mas eles não podem escapar de sua influência, um fato que Os Últimos Jedi indiscutivelmente traz à cena. A silhueta de Leia na ponte de comando da Raddus tem praticamente o mesmo formato da de Vader em sua capa e capacete, enquanto o tema que toca enquanto Luke emerge para confrontar a Primeira Ordem em Crait é uma revisitação da Marcha Imperial — eles são filhos do seu pai, com toda a bagagem, boa e ruim, que vem com isso, não importa se tentarem esconder a verdade sobre sua linhagem de quem for. O legado de Vader não é algo fácil de apagar, ainda mais quando o último Skywalker conhecido se afunda ainda mais no Lado Sombrio. É preciso que alguém de dentro dessa dinastia mostre para a galáxia que o sangue Skywalker não está predisposto para o mal, e sim para o bem. E só há uma única esperança.
Adaptação do artigo feito por 1138
Artigo original:
sociedadejedi.com.br