* Por Fernando Wosniak Steler e Aurimar Harry Cerqueira
De acordo com Don Tapscott, em artigo para a Harvard Business Review, publicado em maio de 2016, “Na década de 90, os gerentes mais inteligentes trabalharam duro para entender a Internet e como ela afetaria seus negócios. Hoje, a tecnologia de Blockchain está inaugurando a segunda geração da Internet, e se as empresas não quiserem ficar para trás, terão de fugir do dilema do inovador e romper com aquilo que está estabelecido.”
Blockchain, do inglês “Encadeamento de Blocos”, são bases de registros e dados distribuídos e compartilhados que possuem a função de criar um índice global para todas as transações que ocorrem em um determinado mercado. Funciona como o livro-razão da contabilidade, só que de forma pública, compartilhada e universal, que cria consenso e confiança entre todas as pessoas, sobre todas as informações, todos os saldos, e todas as transações das contas de cada registro transacional ou comercial.
Não parece simples entender o conceito de Blockchain de primeira mão. Há décadas atrás, também não era fácil entender a Internet, e para a maioria das pessoas continua não sendo fácil compreender os conceitos de cloud, rede, cliente/servidor, TCP/IP, IPV4/IPV6, etc. porém, mesmo não entendendo nada sobre tecnologias de redes, a maioria das pessoas usam a Internet a todo instante e nem se dão conta disso.
Blockchain é a tecnologia que tornou possível, por exemplo, a moeda digital e está por trás do Bitcoin, a criptomoeda mais utilizada no mundo. Blockchain também está por trás dos Smart Contracts, os Contratos Inteligentes que se auto executam baseado em regras entre as partes, que geram consenso e confiança pública sobre as regras estabelecidas, sem a necessidade de um intermediário, mas este é um assunto que fica para depois.
Tudo começou com um padre em 1494…
A palavra central que explica o Blockchain é o termo “ledger”, que em inglês significa livro-razão em contabilidade. É um conceito datado do século XV e que envolve, tipicamente, um balanço inicial de ativos, tangíveis ou não tangíveis, diversas operações de débito e crédito detalhados em colunas separadas e um balanço final. Razão é um “índice” feito para todas as transações que ocorrem em uma determinada companhia ou mesmo em um governo – afinal, já sabemos: para todo crédito, existe um débito. Podemos dizer que o Blockchain é uma espécie de Livro-Razão de um mercado inteiro, público, distribuído e compartilhado, indo muito além das fronteiras de uma única companhia ou de um governo.
No livro Summa de Arithmetica, Geometria, Proportioni et Proportionalita, escrito em 1494, o frei franciscano Luca Pacioli (1445-1517) desenvolveu os primeiros estudos de matemática para serem utilizados em contabilidade. Nestes estudos, o frei utilizou, entre outras coisas, a observação da movimentação de feiras livres com o intuito de compreender o Método das Partidas Dobradas, que é o sistema padrão universal de débito e crédito utilizado até hoje pelas empresas, governos e mercados mundiais, e não obstante, é estudado ainda hoje como matéria básica nos cursos de administração e negócios.
Apesar do mercado atualmente ser complexo no que diz respeito às formas de comercialização, comunicação e transação financeira, nas primeiras feiras livres da humanidade já se encontrava toda a gênese das transações comerciais e financeiras, que, por incrível que pareça, ainda utilizamos em pleno século XXI.
Ainda trocamos dinheiro por algo que damos mais valor. Porém, desde as primeiras transações comerciais que a humanidade presenciou, um problema ainda continua a persistir: existe uma dificuldade intrínseca de conciliação entre os diversos “livros-razões” de todos os diferentes agentes de um mercado ou governo e isso gera falta de confiança e burocracia em transacionar algo com quem você não conhece ou nunca viu. Esse problema é o grande responsável por todas as ineficiências que conhecemos no atual mundo dos negócios, como os altos custos de transação, demora de conciliação, fraudes, falta de confiança, necessidade de intermediários, fiscalização demasiada, burocracia, papelada, presença física etc.
O fato é que quando existem meios físicos para a troca de valor, como dinheiro vivo, ouro em espécie ou até um carro, com a presença de um intermediário regulador para fiscalizar as trocas, tudo se torna possível. Muito burocrático e ineficiente, mas possível – e esta é a forma que os negócios ao redor do mundo funcionam. O principal problema que uma autoridade central fiscalizadora precisa resolver é conhecido como “double-spending”, traduzido como duplo-gasto, já que não podemos gastar duas vezes o mesmo valor. Isso quebraria todo o sistema econômico.
Porém, quando falamos de duplo-gasto no meio digital tudo fica muito mais complicado: o valor puramente eletrônico que estava com você, quando é repassado para outra pessoa, pode continuar com você, afinal de contas, é somente uma cópia. Então, como resolver esse problema da troca de ativos digitais, sem a presença de uma autoridade monetária central fiscalizadora? Pergunta relevante, mas percebe-se que os governos com suas moedas oficiais e instituições financeiras estabelecidas podem ficar de fora dessa.
Blockchain resolve a troca de valores e contratos digitais
Como é possível você transferir uma moeda virtual, digamos de 1 Bitcoin (BTC), para outra pessoa e todos nós acreditarmos que esse valor realmente saiu da sua carteira digital e entrou na carteira digital do outro? Como podemos fazer para que uma pessoa não fique criando moedas a esmo? Simples: crie um único índice global com todas as transações realizadas e aplique uma forma irrefutável de consenso entre todos os participantes. Faça uma espécie de contabilidade compartilhada e mundialmente fiscalizada por literalmente todos os usuários, tornando a fraude e a adulteração algo extremamente difícil, beirando o impossível. Hoje, para alguém fraudar o Bitcoin, terá que combinar com mais da metade do mundo, pois todos possuem uma cópia do índice de todas as transações que já ocorreram. Qualquer mudança no histórico não é aceita. Precisaria mudar o banco de dados de todas as milhões de cópias que estão em poder de milhões de pessoas.
Notem que a busca pela confiança é a principal questão que a estrutura de Blockchain pretende resolver. Só podemos confiar em algo em que exista consenso. Uma estrutura de transação comercial que todos podem confiar e que evita gastos duplos, falsificação e adulteração de dados, aliados a uma contabilização aberta e transparente que não depende de uma autoridade central é a solução que a humanidade sempre perseguiu.
Por essa razão que o Blockchain é algo disruptivo, pois vai mexer com todas as formas de se fazer negócios, quer seja localmente ou globalmente.
* Fernando Wosniak Steler, Empreendedor Endeavor, fundador e CEO da Direct.One, empresa que ajuda grandes corporações a enviarem mensagens e documentos transacionais aos seus clientes, simplificando o processo de geração, entrega e análise de comunicações multicanal.
* Aurimar Harry Cerqueira, Empreendedor Endeavor, foi fundador e CEO da Impactools, empresa de tecnologia dedicada ao ramo segurador e, atualmente, é membro do conselho da Direct.One.