Baleia Azul: Brasil registra casos de jogo que incentiva mutilações e suicídio

Mestre Jedi Baleia Azul: Brasil registra casos de jogo que incentiva mutilações e suicídio

Um jogo viral macabro que tem causado preocupação em vários países do mundo parece, agora, ter chegado ao Brasil. Conhecido como “Baleia Azul” (Blue Whale, no inglês), o fenômeno desafia os adolescentes a completar diversas tarefas sinistras, como ficar doente e se automutilar, até chegar à etapa final: tirar a própria vida.

O jogo surgiu na Rússia, de onde se espalhou rapidamente, e já foi associado a 130 casos de suicídio em todo o globo. O nome Baleia Azul é referência à uma crença popular que diz que a baleia azul seria capaz de se suicidar ao encalhar de propósito em praias.

Funciona assim: ao todo, o participante precisa completar 50 desafios, sendo um por dia, que são distribuídos por um “mentor” em grupos fechados nas redes sociais. Diariamente, sempre às 4h20, o usuário recebe uma mensagem com o desafio daquele dia. Os objetivos iniciais do jogo são simples, como assistir a um filme de terror sozinho ou desenhar uma baleia numa folha, mas as tarefas ficam mais sérias e perigosas conforme mais atividades forem sendo completadas: desde subir no alto de um telhado ou edifício até tatuar uma baleia no braço com uma faca. O desafio de número 50, o último, é o suicídio.

Por ter se espalhado com rapidez pela internet, autoridades de alguns países estão tomando providências para evitar que novos casos sejam registrados. Na França, Inglaterra e na Romênia, as escolas têm feito alertas às famílias de adolescentes que apareceram com cortes nos braços, queimaduras e outros sinais de mutilação pelo corpo.

No Brasil

Por aqui, pelo menos três estados registraram casos de suicídio que estariam relacionados ao jogo.

Em Vila Rica, uma cidade a 1.270 km de Cuiabá, no Mato Grosso, a Polícia Civil investiga o suicídio da estudante Maria de Fátima da Silva Oliveira, de 16 anos. Segundo o delegado André Rigonato, que conduz as investigações, a mãe da adolescente, Antônia Carlos da Silva, de 39 anos, afirma que ela teria apresentado cortes nos braços e coxas há cerca de dois meses, mas que a família não sabia da gravidade da situação.

A mãe ainda entregou duas cartas escritas pela filha, nas quais falava sobre as regras do jogo – um dos papéis encontrados dizia “abrace os seus pais e diga a eles que os ama”, “peça desculpas” e “tire a sua vida”. Antônia disse que em nenhum lugar do papel havia referência ao jogo da Baleia Azul, mas que tinha uma cronologia a ser seguida. Ela chamou a filha para conversar sobre o assunto, que por sua vez disse que aquilo “era uma bobagem”.

Parentes e conhecidos de Maria também disseram que há dois meses a garota estava mais introvertida. “Ela não queria mais conversar, ficava só no mundinho dela. Uma vez chegou a dizer que a vida não tinha mais sentido algum. Ela nunca foi superficial, sem dúvida, era das mais inteligentes. De repente, começou a ficar calada”, declararam duas amigas da jovem.

Em Pará de Minas, em Minas Gerais, a polícia investiga a morte de Gabriel Antônio dos Santos Cabral, de 19 anos, que também participou do desafio da Baleia Azul. O corpo dele foi encontrado pela mulher sobre a cama do casal, onde foram encontradas cinco cartelas vazias de um antidepressivo. A delegacia regional acredita que o rapaz tenha ingerido dezenas desses comprimidos para tirar a própria vida.

Maria de Fátima Santos, 37, mãe de Gabriel, disse às autoridades que o filho tentava sair do grupo no qual encontrou os desafios, mas sofria uma pressão muito grande. Ela conta que, nos últimos dias, o jovem vinha agindo de forma estranha. No último domingo (9), o próprio Gabriel contou à mãe sobre sua participação no jogo. Maria também disse que o filho já tinha cumprido alguns desafios, como tirar uma selfie assistindo a um filme de terror, filmar a si mesmo no alto de um edifício e se cortar ao tentar desenhar uma baleia no braço com uma lâmina de barbear – tarefa que não terminou.

Em Goiânia, Goiás, a polícia informou que está investigando o desaparecimento da estudante Amanda Batista Pereira, de 17 anos. Segundo a mãe da adolescente, Geisibel Pereira da Silva, de 34 anos, a menina foi vista pela última vez na quarta-feira (12), quando deixou um bilhete dizendo que se sentia muito pressionada na escola. Uma pesquisa nas redes sociais mostrou que a garota havia criado um novo perfil para participar de um grupo fechado sobre o jogo com outras três amigas.

Na Paraíba, o setor de inteligência da Polícia Militar abriu uma investigação para apurar a participação de estudantes de João Pessoa no jogo da Baleia Azul. Segundo o coordenador do Centro Integrado de Operações Policiais da Paraíba (Ciop), coronel Arnaldo Sobrinho, as denúncias são de que alunos de uma escola da zona sul da capital estariam participando do grupo e já teriam feito os desafios de automutilação.

Situação é preocupante

Entre especialistas e autoridades, a opinião é unânime: a rápida propagação de jogos como o Baleia Azul pode servir de gatilho para o aumento de casos de suicídio entre jovens, mas que não se pode culpar a brincadeira macabra por algo que tem acontecido há anos no Brasil e no mundo – e que, na maioria das vezes, não tem a devida atenção.

Mestre Jedi Baleia Azul: Brasil registra casos de jogo que incentiva mutilações e suicídio
Uma das tarefas do jogo macrabo é se automutilar e desenhar uma baleia no braço.

Segundo o psiquiatra Daniel Martins de Barros, coordenador médico do Núcleo de Psiquiatria Forense e Psicologia Jurídica do Instituto de Psiquiatria da USP, o número de suicídios em jovens está aumentando em todo o mundo e ninguém ainda sabe explicar a razão. Em 90% dos casos, a pessoa tinha algum tipo de transtorno mental, principalmente depressão. “Há seis meses, o jogo do momento era o da asfixia. Agora é o da Baleia Azul. Daqui a um tempo terá um novo. Não estou dizendo que o jogo não existe, mas esquece o jogo. A questão aqui é: o que vamos fazer para evitar? Esse é o ponto”, afirma.

Para Barros, casos como esse chamam a atenção para a necessidade urgente de os pais saberem identificar os sinais e buscar ajuda. “Temos que quebrar o tabu da depressão. Depressão é uma doença, como catapora, como pneumonia. Ao perceberem sinais de mudança de comportamento nos filhos, busquem ajuda e evitem o sofrimento. A depressão é tratável e curável”, disse.

Jane Patrícia Haddad, psicopedagoga e mestre em educação, afirma que o jogo alerta sobre a necessidade dos adolescentes de se fazerem ouvir e se tornarem visíveis. “Percebo que as crianças e jovens estão sem rumo, já que notaram que seus modelos de adultos também estão inseguros. (…) O prazer jamais será completo, a vida para seguir deve ser incompleta, insatisfatória. Precisamos assumir que estamos prometendo às novas gerações um mundo completo e de satisfação. Isso não existe”, explicou.

Alertar e ajudar

Falar sobre suicídio exige um cuidado especial, pois o assunto é muito sério, ainda mais porque quase não existe campanhas veiculadas na mídia – e as que já existem não são divulgadas com frequência. Uma discussão saudável sobre o tema é fundamental para informar o público e evitar mais mortes.

Aqui no Brasil, o Centro de Valorização da Vida (CVV) presta um serviço de apoio emocional e prevenção ao suicídio. A entidade atende gratuitamente todas as pessoas que querem e precisam coversar, seja por telefone, e-mail, chat, carta ou Skype. O atendimento pode ser feito a qualquer momeno, 24 horas por dia, sete dias por semana.

O número do CVV é 141. O site é cvv.org.br.

Com informações: G1 (1, 2, 3), VEJA, Folha de São Paulo, Estado de Minas (1, 2)