Astrônomos utilizando o Observatório de Raios-X Chandra da NASA fizeram uma descoberta intrigante no coração da Via Láctea. Identificaram uma estrutura vertical semelhante a uma chaminé que se estende desde o centro galáctico, acompanhada de um “ventilador de exaustão” que parece liberar gases quentes para o espaço intergaláctico. Esta estrutura inédita abre novas perspectivas sobre os processos energéticos que ocorrem no núcleo de nossa galáxia e sugere um mecanismo pelo qual o buraco negro supermassivo central, Sagitário A*, influencia o meio interestelar circundante. Este artigo visa aprofundar a compreensão dessas características, explorando suas implicações para a física galáctica e para os modelos de atividade em centros galácticos.
A equipe liderada por Scott Mackey da Universidade de Chicago utilizou dados de alta resolução do Observatório de Raios-X Chandra para analisar a região central da Via Láctea. Os dados revelaram várias cristas de raios-X, situadas de forma perpendicular ao plano da galáxia, que são interpretadas como as paredes de um túnel cilíndrico. Este túnel parece canalizar o gás quente à medida que ele se desloca para cima, partindo do centro galáctico. A descoberta do ventilador de exaustão, situado próximo ao topo da chaminé, cerca de 700 anos-luz do centro, é particularmente notável porque sugere um ponto de saída para o fluxo de gás energizado que é potencialmente impulsionado por atividades do buraco negro Sagitário A*.
A chaminé galáctica, identificada através da observação em raios-X, estende-se verticalmente a partir do centro da Via Láctea, perpendicular ao disco espiral da galáxia. Esta estrutura começa na região central, onde reside o buraco negro supermassivo Sagitário A*, e se estende por milhares de anos-luz. O ventilador de exaustão, localizado perto do topo da chaminé, representa uma região onde o gás quente, ao subir através da chaminé, encontra gás mais frio, resultando em ondas de choque que produzem um brilho intensificado em raios-X. Este fenômeno é análogo a “estrondos sônicos” observados quando aviões supersônicos rompem a barreira do som. A interação desses gases não apenas delineia a existência do ventilador, mas também fornece pistas sobre os processos dinâmicos em jogo no centro galáctico.
A pesquisa também enfatizou a influência significativa dos campos magnéticos na conformação da chaminé galáctica. As emissões de rádio detectadas pelo telescópio MeerKAT ilustram como os campos magnéticos envolvem o gás dentro da chaminé, atuando como paredes que guiam e confinam o fluxo do gás quente. Essa descoberta sugere que os campos magnéticos não apenas ajudam a manter a integridade estrutural da chaminé, mas também desempenham um papel crucial na direção do fluxo de gás. Este comportamento é crucial para entender como a energia e a matéria são expelidas do centro da galáxia e como isso pode afetar a evolução galáctica a longo prazo. A interação entre o gás quente ascensional e os campos magnéticos cria um sistema dinâmico que modula a transferência de energia e matéria do núcleo galáctico para o meio interestelar mais amplo.
A atividade no centro da nossa galáxia é dominada pelo buraco negro supermassivo Sagitário A*. A formação da chaminé e do ventilador de exaustão pode estar intimamente ligada aos eventos de acreção que ocorrem neste buraco negro. Quando material, como gás e estrelas, cai em direção a Sgr A*, ele pode aquecer devido à fricção e outros processos físicos, emitindo grandes quantidades de radiação antes de ser engolido pelo buraco negro. Este material aquecido pode ser parte do que é eventualmente expulso através da chaminé galáctica. Estudos anteriores sugerem que Sgr A* passa por episódios de atividade aumentada, nos quais flares de raios-X e outras emissões energéticas são mais frequentes. Estas erupções podem impulsionar o gás para cima, através da chaminé, contribuindo para a formação do ventilador de exaustão observado. As interações entre esses processos de acreção e as ejeções subsequentes são fundamentais para nossa compreensão da dinâmica central da Via Láctea e das condições que influenciam a formação de estruturas maiores, como as bolhas de Fermi e eROSITA.
Os pesquisadores descobriram que o gás quente que se eleva através da chaminé galáctica encontra gás mais frio, resultando em colisões que geram ondas de choque visíveis em raios-X. Este fenômeno é similar ao que ocorre com ondas sônicas produzidas por aeronaves supersônicas. A análise detalhada dos dados de raios-X do Chandra mostrou que o lado esquerdo do ventilador de exaustão é particularmente brilhante, uma característica que os cientistas atribuem ao gás que se desloca para cima colidindo com a parede do túnel em um ângulo mais direto e com maior força. Estas descobertas não apenas esclarecem o mecanismo de ventilação do centro galáctico, mas também ajudam a ilustrar a complexa interação entre diferentes temperaturas e densidades de gás, proporcionando uma visão mais clara da dinâmica energética no núcleo da Via Láctea.
Estudos anteriores indicaram que flares dramáticas de raios-X ocorrem no centro da Via Láctea, próximo ao buraco negro supermassivo, em intervalos de algumas centenas de anos. Estes eventos são considerados cruciais para impulsionar o gás quente ao longo da chaminé e através do ventilador de exaustão. A energia liberada durante essas flares pode ser suficiente para influenciar significativamente a dinâmica do gás no centro galáctico, contribuindo para o fenômeno observado da chaminé galáctica. Além disso, estima-se que o buraco negro central destrua e engula uma estrela a cada 20.000 anos aproximadamente, um evento que também resulta em liberações explosivas de energia. Essas explosões são fundamentais para entender como a energia é transferida do buraco negro para o resto da galáxia, potencialmente levando à formação de estruturas maiores observadas em raios gama e raios-X, como as bolhas de Fermi e eROSITA.
A questão de como o buraco negro supermassivo Sagitário A* é alimentado é central para entender a formação da chaminé e do ventilador de exaustão observados. Os cientistas propõem duas hipóteses principais: uma sugere que uma grande quantidade de material é despejada em Sgr A* de uma só vez, como um monte de troncos sendo jogados em uma fogueira, causando uma explosão de energia e gás. A segunda hipótese sugere uma alimentação mais gradual e constante, semelhante a pequenos pedaços de lenha sendo adicionados regularmente ao fogo. Ambas as teorias tentam explicar como as interações entre o material caindo no buraco negro e as subsequentes ejeções energéticas podem levar à formação de estruturas como a chaminé galáctica e o ventilador de exaustão. Esta dinâmica complexa é crucial para desvendar os mecanismos através dos quais o centro galáctico influencia a evolução geral da Via Láctea.
As partículas e a energia acumuladas no ventilador de exaustão fornecem informações vitais sobre a origem de duas estruturas misteriosas e muito maiores ao redor do centro da Via Láctea: as Bolhas de Fermi, observadas em raios gama pelo Telescópio Espacial de Raios Gama Fermi da NASA, e as Bolhas eROSITA, detectadas pelo mais novo telescópio de raios-X da ESA. Essas estruturas gigantescas, que se estendem por milhares de anos-luz a partir do centro galáctico, são alinhadas com a direção da chaminé e uma segunda chaminé de raios-X que começa no centro da galáxia e aponta na direção oposta. O efeito de funil do ventilador de exaustão próximo ao topo da chaminé pode ajudar a manter o gás quente focado enquanto ele viaja para cima, auxiliando na formação da estrutura coerente das bolhas. A compreensão dessas conexões é fundamental para decifrar os eventos de alta energia que ocorrem no coração da Via Láctea.
A relação entre o ventilador de exaustão, a chaminé galáctica, e as Bolhas de Fermi e eROSITA é um elo crucial para entender a dinâmica de alta energia no centro da Via Láctea. O papel dessas estruturas menores pode ser essencial na criação das bolhas gigantescas, que são algumas das maiores e mais misteriosas estruturas observadas em nossa galáxia. Os cientistas sugerem que o ventilador de exaustão e a chaminé atuam como um canal, direcionando o fluxo de partículas energéticas e plasma quente do coração galáctico até os confins exteriores, onde contribuem para a expansão das bolhas. Esta descoberta poderia ser uma peça chave na resolução dos enigmas que cercam a radiação de alta energia proveniente do nosso centro galáctico e seu impacto na estrutura e evolução galáctica em larga escala.
Utilizando o observatório Chandra, a equipe liderada por Scott Mackey coletou e analisou dados profundamente detalhados do centro galáctico. A observação focou em características lineares emissores de raios-X dentro da porção sul da chaminé do centro galáctico, identificadas em coordenadas galácticas específicas. O brilho superficial e as proporções de dureza dos padrões sugeriram uma morfologia cilíndrica, potencialmente criada por um canal de fluxo de plasma saindo do centro galáctico. Esse estudo minucioso, que utilizou uma combinação de modelos espectrais complexos, forneceu uma nova compreensão sobre a física do plasma e sua interação com o meio interestelar sob condições extremas.
A análise dos dados de raios-X revelou padrões de luminosidade e razões de dureza que indicam uma morfologia cilíndrica, sugerindo um canal de fluxo de plasma estendendo-se do centro galáctico. Os ajustes espectrais favoreceram um modelo de dois componentes consistindo de plasma térmico e plasma recombinante, indicando um processo de compressão ou aquecimento do meio interestelar por material ejetado. A estimativa da escala de resfriamento do plasma, que varia de algumas centenas a milhares de anos, sugere que uma sequência de eventos de acreção no buraco negro galáctico poderia ser uma fonte de energia quase contínua, sustentando a morfologia observada e influenciando a dinâmica galáctica em grande escala.
A análise detalhada das características morfológicas dentro do campo de dados do Chandra sugere a presença de um túnel cilíndrico, marcado por bordas luminosas que poderiam ser interpretadas como as paredes do túnel. Esta estrutura parece estar alinhada ao longo do eixo central da chaminé sul, com fluxo de plasma outflowing movendo-se ao longo deste canal. Ainda que a velocidade exata do plasma dentro do túnel não tenha sido diretamente medida, argumenta-se que deve ser consideravelmente alta, possivelmente comparável à velocidade do vento galáctico geral, que é estimada em mais de 1000 km/s. Esta hipótese não apenas fornece uma explicação para a orientação e morfologia das características observadas, mas também sugere um mecanismo dinâmico pelo qual energia e matéria são transportadas do centro galáctico para regiões mais externas.
As regiões mais brilhantes identificadas no estudo do campo Chandra correspondem às menores razões de dureza ao comparar a emissão de raios-X de 1.2-2.0 keV com a de 0.5-1.2 keV. Esta observação sugere que as “paredes” do túnel cilíndrico, onde o plasma outflowing impacta o meio interestelar, possuem densidades mais altas e, consequentemente, taxas de resfriamento mais rápidas. Se estas paredes de fato representam zonas de compressão de choque, então o aumento na densidade poderia naturalmente resultar em um resfriamento mais rápido, produzindo a emissão de raios-X mais suave observada. Este detalhe crítico ajuda a elucidar a distribuição de temperatura dentro do plasma e fornece pistas sobre os processos físicos atuantes na interação do fluxo de plasma com o ambiente galáctico.
Para investigar mais profundamente a natureza do plasma dentro da chaminé e do ventilador de exaustão, os cientistas conduziram uma análise espectroscópica minuciosa. As regiões brilhantes, caracterizadas por uma emissão mais suave de raios-X, foram ajustadas simultaneamente para determinar o modelo físico mais provável e o conjunto de parâmetros para cada região. Os resultados indicaram que uma combinação de modelos de plasma termal (APEC) e plasma recombinante (RP) ajustava-se melhor aos dados, uma descoberta que enfatiza a complexidade do meio interestelar na área observada. Este modelo dual sugere a presença de diferentes componentes de plasma interagindo dinamicamente, o que pode ser crucial para entender as condições físicas que sustentam a emissão de raios-X e a estrutura da chaminé galáctica.
A interpretação dos dados sugere que o túnel observado no campo do Chandra atua como um canal central por onde o plasma galáctico flui verticalmente. A característica morfológica linear das cristas de raios-X, que são quase paralelas entre si e perpendiculares ao plano galáctico, reforça a hipótese de um túnel cilíndrico. A alta emissividade das paredes do túnel, particularmente nos locais das cristas de raios-X, pode ser atribuída a choques resultantes do impacto do plasma em movimento com o gás circundante mais frio e denso. Este processo não apenas delineia a estrutura do túnel, mas também fornece um mecanismo eficiente para a transferência de energia do centro galáctico para áreas mais externas, desempenhando um papel potencial na formação e sustentação das grandes bolhas de Fermi e eROSITA.
As observações indicam que as regiões mais brilhantes e menos duras dentro do túnel provavelmente são aquelas onde o plasma encontra maior resistência e compressão ao interagir com o meio interestelar. Essa compressão leva a um aumento na densidade e, consequentemente, a um resfriamento mais rápido, resultando em uma emissão de raios-X mais suave. A variação na razão de dureza ao longo do túnel sugere uma distribuição de temperatura que não é uniforme, com áreas mais frias localizadas onde o plasma é comprimido contra as paredes do túnel. Essa dinâmica complexa de temperaturas oferece insights cruciais sobre os processos físicos que governam o comportamento do plasma ejetado do centro galáctico, fornecendo pistas valiosas sobre a estrutura interna e a funcionalidade do túnel observado.
A análise espectral detalhada revelou a presença significativa de plasma recombinante dentro da chaminé galáctica, uma descoberta que alinha com a hipótese de que fortes choques estão ocorrendo na região. Este plasma recombinante é caracterizado por um estado em que os íons capturam elétrons mais rapidamente do que perderiam energia por radiação, um indicativo de um ambiente altamente dinâmico e energético. A coexistência de componentes de plasma térmico e recombinante sugere que o túnel não apenas serve como um canal de transporte, mas também como um local de intensa interação energética, onde os processos de aquecimento e resfriamento ocorrem em escalas de tempo extremamente rápidas. Essa condição é fundamental para entender a manutenção da estrutura do túnel e seu papel na modulação do fluxo de energia e matéria do centro da Via Láctea.
Ao considerar a complexidade do centro galáctico e a presença do túnel e das chaminés de raios-X, é possível traçar paralelos com outras características observadas em escalas tanto menores quanto maiores. Por exemplo, a presença de um jato putativo emanando do buraco negro supermassivo Sagitário A* em escalas de poucos parsecs pode ser vista como um precursor dos fenômenos observados na escala de centenas de parsecs do túnel. Além disso, a interação deste fluxo energético com o meio interestelar circundante pode ter implicações na formação de estruturas ainda maiores, como as bolhas de Fermi e eROSITA, sugerindo um mecanismo contínuo de feedback energético desde o núcleo galáctico até o meio interestelar mais amplo. Essa conexão entre diferentes escalas fornece uma visão holística da dinâmica energética no centro da Via Láctea.
A descoberta e análise do ventilador de exaustão e da chaminé de gás quente no centro da Via Láctea oferecem insights valiosos sobre os processos dinâmicos em torno do buraco negro supermassivo Sagitário A*. As interações entre o plasma quente ejetado, os campos magnéticos, e o meio interestelar circundante iluminam os mecanismos de transferência de energia e matéria no coração da nossa galáxia. Futuras investigações, incluindo estudos de alta resolução espectral e monitoramento temporal, serão cruciais para desvendar mais detalhes sobre a velocidade do fluxo de plasma e as variações temporais associadas a essas estruturas. Tais estudos podem revelar como as atividades do buraco negro central moldam o ambiente galáctico em grande escala e influenciam a evolução galáctica ao longo do tempo. Aprofundar nosso entendimento desses fenômenos não apenas enriquece nosso conhecimento da Via Láctea, mas também amplia nossa compreensão dos processos universais em centros galácticos ativos.
Fonte:
https://chandra.harvard.edu/press/24_releases/press_050924.html
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Artigo original:
spacetoday.com.br