Quando a série The Acolyte foi anunciada em meio a tantas séries com o foco na TV para as mídias de Star Wars, uma premissa havia sido entregue para mídia: a de que a série teria um viés do ponto de vista dos Sith.
A showrunner chamada, Leslye Headland estava ainda colhendo frutos de sua série “Boneca Russa ” na Netflix e a idéia parecia fazer mais sentido em meio a outros produtos anunciados, despertando aos fãs uma sensação de preenchimento não apenas das lacunas na linha temporal de Star Wars, mas de alcançar os nichos de fãs que estavam sempre divididos entre: serem fãs de jedi, caçadores de recompensas que poderiam ser mandalorianos ou não, fãs de droids e os tão esquecidos fãs dos usuários do lado obscuro da força.
Demorou um pouco até revelarem que o material iria abranger o período final da Alta República e aproximadamente 100 anos antes do episódio 1, Star Wars: A Ameaça Fantasma (1999), filme que sofreu um certo descaso porque chegou como canção de ninar para crianças em pleno ano que Matrix chegaria às salas de projeção tornando a batida jornada do herói agora muito mais conectada com o momento: final de século, bug do milênio e espaços virtuais. George Lucas estava regressando à direção depois de longos anos observando as tecnologias de longe e só lhe serviu para experimentar tecnologias de captura e pós produção. O resto é a história que já conhecemos.
Outras obras da saga estavam sempre surgindo com um certo apoio de algo que já existia com personagens famosos: The Clone Wars conseguiria sua conclusão numa sétima temporada espetacular, The Mandalorian exploraria o período depois da “queda falsa” do império que iria além de “O Retorno de Jedi“, a série Kenobi estaria situada no exílio do velho mestre enquanto observava um dos gêmeos e finalmente The Acolyte parecia ser a única que não teria nenhum dos personagens clássicos para depender. Pelo contrário. Se a Alta República estava pavimentando um terreno no campo literário, ter esta série como fechamento de ciclos traria ao fã da saga uma inovação de materiais originais (não que os citados anteriormente não sejam) que teria uma liberdade única de ousar esteticamente ou até na contação de histórias. É justamente aqui que ganhamos uma faca de dois gumes.
Refém da proposta original de dar voz aos vilões, ficava a dúvida do quanto a voz seria dada mediante a linha tênue de romantizar uma classe de personagens vilões que poucas vezes teriam explicações plausíveis nos materiais da mídia principal, o audiovisual. Enveredar pelo caminho de contar uma história pelo ponto de vista dos vilões, estava indo além de uma obra como Malévola ( 2014 e 2019), a criadora estava a um passo de inovar terras desconhecidas. Há quem pragueje pelos perfis sociais com frases como “ah! agora querem vilanizar os jedi”, mas vamos fingir que essa pessoa esqueceu várias entrevistas que George Lucas dizia que os jedi estavam cegos pela soberba, ou pior ainda, que não tenha assistido as animações de Dave Filoni, The Clone Wars.
Quando assistimos uma novela, notamos uma linha de diálogos que não parece sair com naturalidade. Parece autoexplicativo, quase como ler uma audio descrição não só de situações visuais, mas apontando para a sensação que o espectador deveria ter, um ato que parece que alguém segura sua cabeça forçando você pra onde enxergar em um passeio de guia turístico.
Mas a verdade é que quem criou as novelas, sabia que naquela era o público consumidor de novelas não estariam apenas em frente a televisão, mas ouviriam a história enquanto preparavam algo e assim, o didatismo moldava a cabeça de muita gente acostumada em assistir novela sem precisar sair de sua zona de conforto (questionável o conforto aqui, é claro).
O didatismo que empaca o caminho do mistério porque é uma armadilha manter o suspense e ao mesmo tempo ter um texto que a todo momento se autoexplica.
Em todas obras cinematográficas que exploram fragilidades institucionais, chamamos comumente de “intrigas palacianas”, apelido que abriga uma série de filmes e séries sobre a queda de um reinado já ter sido assunto de corredores, lugares onde a política é construída. De maneira um pouco mais superficial, The Bad Batch em sua terceira temporada resvalou nesse tipo de intriga ao mostrar Darth Sidious confabulando com o protótipo de Mengele, o personagem Hemlock.
A era de ouro ameaçada por um caso isolado onde a verdadeira queda é notada em conversas de corredor. E é justamente estas conversas de corredor que precisam de muita consistência para não fragilizar a imersão. O diálogo de Mae e Qimir carrega um didatismo auto explicativo que chega a escancarar o porque um vendedor conhece tanto a sobre Jedi quanto que aos Sith. Ao mesmo tempo que o brilhantismo estrutural do roteiro nos faz lembrar o que Alan Moore fez em Watchmen: o assassinato de uma jedi logo nos primeiros momentos nos remete à morte do “Comediante” e gerando assim, a combustão pela corrida dos mistérios que obrigam a obra a rever pontos da história detetivesca, algo que o público parece não querer embarcar porque estacionou no fato de trazer uma atriz como Carrie-Anne Moss interpretando a mestre jedi Indara que desfalece nos primeiros minutos da série. E exercitar a narrativa que busca fatos de uma história mal contada porque existe uma nebulosidade que poucos sabem, chega a fazer rimas com obras como Cidadão Kane (1941), Rashomon (1950) e Velvet Goldmine (1998), filmes investigativos que na medida que se avança no mistério, se enrola em mais cordas de complexidade.
E já que a idéia é a bagagem cinematográfica da criadora da série, quando Leslye Headland comparouque a série seria Frozen (2013) com Kill Bill (2003), sentimos a confirmação de quando a luta entre a mestre Jedi Indara e Mae em um bar, vai nos memos nichos das brigas da noiva com o grupo Crazy 88 no primeiro volume de Kill Bill como também se aproxima de outra obra sobre brigas em bar e restaurante, a de O Tigre e o Dragão (2000) conforme o trecho abaixo.
A trilha da série é um detalhe relevante a se comentar. Michael Abels, vencedor do Prêmio Pulitzer do ano passado por uma Ópera narrativa chamada “Omar“, nos soa familiar em suas trilhas incômodas em filmes de Jordan Peele como Corra (2017), Nós (2019) e Não, Não Olhe (2022). Seu histórico com Peele é marcado por saber quais formas a batida da trilha pode criar atmosfera favorável a uma série que preza pelo mistério.
A grande verdade é que cabe a nós desacelerarmos a expectativa ao pensar que depois de Andor, a possibilidade de alguma nova série que carregue em seus diálogos teores mais maduros focados no fã que cresceu, pode ser uma recusa. Star Wars na era Disney, por mais que desgostosos pintem o fim de Star Wars, algo que já vimos o fandom fazer na era pós prequels e que gerou um dos melhores documentários sobre a toxidade deste fandom atrapalhando ao criador de ter uma relação sadia com sua criação (Veja abaixo o documentário “O Povo contra George Lucas“(2010), a grande verdade é que Disney comprou a galinha de ovos de ouro e agora cria produtos multifacetados para atender a todo tipo de demandas. Temos produtos pra todos os tipos de gosto e com a entrada de diferentes criadores, a saga oscilar pro resto de sua existência em obras que parecem encostar no modus operanti de George Lucas e por oras querendo propositalmente se descolar das raízes para caminhar para algo novo, um dos motivos de que iniciaram toda jornada Disney com JJ Abrams que apesar de vivermos uma era de amores e ódios, conseguiu renovar a franquia de Star Trek gerando novos ares aos personagens.
É impossível não se emocionar com uma série como “Round 6” e descobrir que o protagonista Lee-Jung Jae que é metade do drama da série, seria um dos jedi da Alta República. A saga aponta seu norte para o futuro e carrega sua longevidade nas mãos de gerações novas que mesmo com filmes desnorteados quanto trilogia e funcionais isoladamente como foram as sequels, trouxe toda uma gama de fãs que por enquanto ficam acuados com a hostilidade de fãs antigos, mas esperam seu momento de defender sua forma de chegar na saga, algo muito parecido com o que vimos os fãs de prequels se prevaleceram com o tempo e não permitir que abaixo do mesmo e gigante teto de Star Wars, ainda tenham pessoas que não tenham entendido e mensagem plena de George Lucas e tenha preferência a segregar os fãs e seu amor pela saga seja por qual produto for, em especial sua porta de entrada.
A série tem uma proposta e ela necessita dessa nebulosidade de uma “história mal contada” para que se arraste um mistério que nos é revelado em formato conta gotas, porque como dizem os antigos, o diabo mora nos detalhes e isso é uma exclusividade da vilania Sith: morar na clandestinidade manipulando do escuro para ver o circo pegar fogo. Se a proposta da série é diluir mistérios, esperar o painel se montar é o mínimo que poderíamos fazer e assim entender plenamente todo quadro que até então acerta em avançar um passo do mistério, e retroceder 2 na compreensão de uma complexidade que é a forma de um sith agir confundindo toda percepção ao redor, pois mestre Yoda já dizia no Episódio 2, O Ataque dos Clones que o lado sombrio realmente consegue obscurecer tudo ao redor.
O investimento de 180 milhões da série ainda é uma dúvida, a showrunner não está utilizando o “Volume“ou Stagecraft para os cenários, o que tornou a realização debruçada em uma direção de arte que muitas vezes lembra da série “Obi Wan Kenobi” em suas locações um tanto quanto artificiais.
ATAQUES DESENFREADOS
A série se tornou foco de Reviews Bombs da parcela de fãs que parecem não se ligar de que estão pilhados pelo clima das eleições que se aproximam nos Estados Unidos. Aqui no Brasil, havíamos vivido um clima pesadíssimo em 2022 pelas eleições e vimos um país dividido. Como de praxe, o Brasil é campeão em importar a cultura norte americana e não seria desta vez que os criadores de conteúdo que vissem o estouro do algoritmo de alarmistas ganharem views e likes, que não iriam querer trazer o mesmo clima, o que é lamentável é importar o desespero agressivo que toma conta das pautas e atitudes em formato manada, que é diferente que não gostar do produto e saber desenvolver num debate sadio, os diferentes pontos de vista como vemos Northon Domingues e PH Santos realizarem em lives participativas.
São muitas entrevistas com trechos deslocados fora de contexto que foram feitos para que a ala de fãs reacionária não faça um simples ato de fact-checking, mas pelo contrário, alimentados pelo viés de confirmação, torne qualquer ambiente de trocas de ponto de vista como grupos de perfis sociais um clima insuportável para se cultuar a saga.
Mas estamos falando de saga fantasiosa que alimenta a esperança de todos os tipos de pessoas e nada mais justo “todos os tipos de pessoas” se sentirem acolhidas pelas narrativas que aplicam uma esperança no amanhã, longe das práticas de ódio.
A tal prática de ódio essa semana levaram pessoas irresponsáveis em ameaçar os criadores da wookiepedia norte americana (lembrando que temos a brasileira também clicando aqui ) que precisou fazer postagem quase dando exposed em mensagens de ameaça porque alguém de mal com a vida, resolveu canalizar nos defensores da obra, a raiva de frustração pessoal.
Se você gosta do clima acolhedor de espaços virtuais de convivência dos fãs, não permita jamais que estraguem sua experiência ou te faça pegar ranço daquilo que foi criado pra te entreter. Avise sempre os moderadores e administradores das páginas que prezam pelo seu bem estar em meio a sua saga querida.
Ainda temos a esperança para nos apoiar.
O post As camadas de uma história “mal contada” apareceu primeiro em Sociedade Jedi.
Artigo original:
sociedadejedi.com.br