A série mais madura de Star Wars terminou sua primeira temporada.
Andor foi anunciada em novembro de 2018 pelo CEO da Disney Bob Iger, sem muito estardalhaço, muitos fãs de Star Wars sequer deram muita atenção ao anúncio, outros até mesmo criticaram bastante a escolha de um personagem tão “aleatório” para estrelar uma série, e em contrapartida vibravam com a confirmação de uma minissérie de Obi-Wan Kenobi.
Após o lançamento das séries vimos que nem só de nostalgia se vive uma saga.
Enquanto as séries live-action de Star Wars se pautam mais em fan-service do que apresentar algo mais ousado (exceto talvez a primeira temporada de The Mandalorian, mas que logo foi atulhada de rostos conhecidos), o criador da série, Tony Gilroy, quebra esse padrão. Nada novo ao luar visto que ele foi um dos responsáveis pelo roteiro de Rogue One, cujo impacto na saga se assemelha muito ao de Andor.
Com Andor não há a incessante luta entre o lado sombrio e luminoso, mas sim um desenvolvimento de personagens que farão de tudo para impedir a ascensão de um império maligno e aqueles que lutarão a favor dele. Não é sobre trazer aqueles conhecidos dos fãs, mas sobre criar novas histórias.
A SÉRIE
Em comparação às outras séries de Star Wars em live-action, Andor se distancia em muitos detalhes. Em termos de roteiro e atuação não vimos nada igual, nem em The Mandalorian. É uma série mais madura, mais centrada no drama no que na ação e por isso parece mais lenta para alguns, mas a recompensa vale a pena.
A escolha de usar locações e cenários em vez do Volume também ajuda a criar uma atmosfera diferente para a série, levando ela mais perto da trilogia original com seus efeitos práticos. Embora a tecnologia criada para The Mandalorian seja revolucionária, em Obi-Wan Kenobi ela não foi tão bem utilizada, fazendo com que as cenas parecessem sempre acontecer em um ambiente redondo e limitado. Em Andor há uma sensação de espaço aberto e fechado que ajudam a construir a história, como as ruas labirinticas de Ferix e o apartamento de Mon Mothma, que praticamente viram personagens por si só.
E além disso, é uma série inclusiva. Os fãs podem assistir e apreciar uma boa adição à saga, mas aqueles menos entusiastas podem acompanhar sem se perder, como foi o caso da primeira temporada de The Mandalorian, mas que logo foi seguida de uma segunda lotada de referências e tramas trazidas das animações.
TEMAS RELEVANTES
Algo que chama a atenção na série é o tema mais adulto, não só pela violência levemente maior ou insinuações sexuais, mas a exploração de tópicos como fascismo e propaganda, o poder da resistência e como a opressão sistêmica gera violência. O Império em Andor não é malvado por ser controlado por um Lorde Sith inimigo dos Jedi, ele é mal por suas ações, xenofobia, escravidão, corrupção e violência. E isso é muito mais real, por isso impacta muito mais, são pessoas comuns lutando contra um sistema que poderia tranquilamente fazer parte de nosso mundo.
E essa volta às raízes de George Lucas é um grande acerto. Lucas nunca escondeu suas opiniões políticas, inclusive em uma entrevista com James Cameron para o documentário “Story of Science Fiction“, ele discutiu como os Estados Unidos se tornaram o “Império” na década de 70, para ele pautas como a tolerância, pacifismo e o anti-autoritarismo sempre foram uma parte importante de Star Wars desde o início. Em Andor somos colocados em um thriller de espionagem com temas como racismo, opressão e abuso de poder policial, temas extremamente relevantes atualmente.
PERSONAGENS
Um grande acerto da série são os personagens, ela consegue trabalhar um núcleo relativamente grande dando o espaço e desenvolvimento necessários para cada e sem tirar o protagonismo de Andor, afinal mesmo sem Cassian em cena, todas as ramificações exploradas nos núcleos sem ele foram causadas por suas ações.
A jornada de Cassian para encontrar sua motivação na Rebelião passa por pessoas como Luthen Rael, Nemik e Kino Loy. Luthen é o homem misterioso difícil de se confiar e imprevisível, ele nota em Andor o potencial de um rebelde e o coloca no caminho. O segundo é o idealista que elabora o manifesto que move o episódio final da temporada, apesar de Cassian não o levar a sério inicialmente, é o conduíte para sua decisão final. Já em Kino Loy vemos um sacrifício impossível de se ignorar, o líder relutante de uma fuga que viu seus companheiros fugirem, mas não pode se salvar.
Por outro lado, temos Mon Mothma, uma personagem já conhecida dos filmes e animações, no processo de se tornar uma das líderes da Aliança Rebelde. Seu arco envolve uma trama política digna de Game of Thrones, com casamentos arranjados, esquemas financeiros e acordos com criminosos.
E mesmo do lado do Império temos personagens como Dedra Meero e Syril Karn, os dois se unem em razão das ações de Cassian e a relação entre os dois é interessantíssima de acompanhar. Ele parece estar obcecado por ela, e por mais que Dedra pareça demonstrar certa repulsa de início, a história dos dois ainda tem muito chão a ser percorrido.
Um tema que envolve muitos dos personagens é o sacrifício. Em uma guerra ninguém sai ileso e vemos isso constantemente na série, com Nemik e Kino Loy dando a própria vida, Mon Mothma entregando a mão da filha em um acordo, dentre tantos outros. Porém, o mais nítido fica por conta do discurso de Luthen para o espião Lonni Jung, em uma entrega de atuação, roteiro e direção muito bem-vinda na saga.
Estou condenado a usar as ferramentas do meu inimigo para derrotá-lo. Eu destruí minha decência pelo futuro de outra pessoa. Eu destruí minha vida por um nascer do sol que nunca verei.
Talvez Andor fosse exatamente o que precisávamos. Por mais que Star Wars tenha sido concebido como um filme para crianças, nas palavras do próprio George Lucas, as crianças que se encantaram com aquela galáxia cresceram e precisam de algo mais maduro, é sempre ótimo voltar a infância com toda a nostalgia criada pelos personagens que amamos, mas um dia esses personagens eram desconhecidos e se tornaram lendas, pode ser a hora de buscarmos novas abordagens mais ousadas.
Artigo original:
sociedadejedi.com.br